O que faltou dizer de Elana, por Luis Lima

Texto recebido de Luís Lima em 28/03/2019

O jogo BBB é complexo, inesperado e cheio de surpresas. Há duas ou três semanas atrás, eu diria que quem venceria esse reality seria alguém do grupo Gaiola, pela postura de criar um ambiente pacífico, sem um falar mal do outro, buscando a fraternidade, falando politicamente correto, combatendo a terminologia racista, preconceituosa, enfim, construindo um paraíso no inferno do deus Dinheiro. O jogo é o “Grande Irmão” entre aspas. É o jogo do mais esperto, do que mais cativa o público. E cada público é um público com suas peculiaridades racionais, irracionais e emocionais, cujas percepções são contaminadas pela cegueira das paixões. Cada um vê o que a paixão manda ver. Mas também tem a ver com valores próprios, concepções políticas da vida, a saber, com suas ideologias particulares.

Só que não é bem assim, pois quando ‘’o milhão e meio’’ seduz consciências, promove também descomposturas no falar, no olhar, no agir etc. Se alguém me perguntar o que de mal o grupo do Gaiola fez ao grupo do Villamix, eu diria nenhum. Isso do ponto de vista moral, da pessoa humana, não em relação ao jogo na hora de votar, indicar ou excluir. Entretanto, o BBB não é um ambiente sagrado, mas profano. Não é um mosteiro ou convento, mas um jogo de comportamento e aquele que mais agradar, vence. É o óbvio do óbvio. Logo, não há santos nem demônios. Embora seja maniqueísta aos olhos do público: o bem e o mal.

Contudo, falar de BBB não é só falar de participantes de dentro da casa, mas falar também de participantes de fora da casa. Porque esses dois são quem faz o BBB ter uma direção, um enredo a ser desenvolvido. Eles lá e Nós cá. O interno e o externo. E cada um de lá e de cá, cria suas narrativas, suas verdades (opiniões) sobre o jogo, sobre o concorrente. E aí se instala a divisão, o conflito, o confronto, a segregação de forma abrupta e irracional. Porque amor e ódio fazem parte deste tabuleiro e cada um de nós puxa sardinhas para a sua lata. E aonde fica o certo e o errado? Aí é preciso consultar a Ética Universal; pelo menos, comportamentos aceitáveis universalmente. E aí incluem falas e atitudes.

Dito isso, para nos situarmos e nos vermos como torcedores e jogadores, espelhando “nós mesmos” nesse massacre narrativo, vamos ao que nos interessa: Elana, seu jogo e a atitude de alguns do Gaiola ao abandoná-la “ao Deus dará”.

Elana, filha da pobreza, do sertão nordestino, se libertou em parte dessa condição social tão vergonhosa, a saber, o Brasil no decorrer de séculos condena os mais pobres e miseráveis à esta situação iníqua. Para alguns, isso é fracasso individual. Não fez por merecer estar incluído no sistema do consumo capitalista: a tal da cínica meritocracia na desigualdade social. Para mim, é o sistema excludente que impede que essas pessoas possam ascender socialmente, porque a concentração de renda e riqueza neste país é óbice para superar essa condition sine qua non. Mas Elana superou essa condição social e ascendeu socialmente para o grupo dos 15,3% dos brasileiros que têm nível superior completo: Engenheira agrônoma. Infelizmente, isso é ainda uma exceção à regra e não a regra geral.

Só este fato particular da vida de Elana, de sair de casa aos 16 anos para estudar, trabalhar e ser uma mulher autônoma intelectualmente, livre economicamente, me faz ter orgulho dessa mulher arretada. Por isso, detesto apelidar ofensivamente os participantes, criar narrativas hostis deles ou fazer analogias descabidas para queimar a imagem de alguém, só porque pode atrapalhar a “minha” favorita no jogo. Elana precisa ser ressaltada nos seus pontos positivos. E falar de sua vida, sem dizer que foi pobre, é não falar dela mesma, da sua verdade existencial. Alguns reclamam e fazem uma crítica ácida, cáustica, porque Elana quer fazer “mimimi” de sofrimento da pobreza (ou porque é grossa), mas esquecem que cada um fala lá aquilo que viveu aqui fora. Aliás detesto essas terminologias bobinhas de “mimimi”, “o choro é livre” etc., porque são frases vazias de crítica, de verdade, de conteúdo. Meros chavões.

Elana chegou na casa querendo se enturmar com todos. Não fez distinção de classe, etnia, preferência sexual etc. Porque todos somos iguais humanamente falando, pois temos coração, cérebro, olhos, boca etc., apesar de sermos diferentes fenotipicamente e socialmente. Percebi o quanto ela tentou se aproximar da turma do Villamix, até muito mais do que da do Gaiola. E ela percebeu essa dificuldade para se entrosar neste grupo aloirado, branco, de olhos claros. Afinal, ela não é o espelho desse grupo, com alguns boçais, soberbos e desonestos intelectualmente como Diego e Gustavo, os chefes do grupo Villamix que saíram, justamente por isso.

A aproximação de Elana com Rodrigo, Dan, Gabi, (não considero Rízia gaiola totalmente), Hana e Alan foi por afinidade de experiências de vidas duras num Brasil racista, homofóbico, machista, classista e misógino. Adotou Dan como irmãozinho, o único brother que ela se sentia à vontade para falar de jogo. Ela e o Dan foram os únicos que não tinham medo de falar de jogo. E quando este foi embora, ela sentiu o baque da solidão acompanhada, da derrota. Chorou muito, porque sabia no fundo que a derrota dele seria também a derrota dela. O nosso torcedor, em sua maioria, é cruel, insensível, ou seja, não perdoa certas bobagens, deslizes; porém perdoa coisas imperdoáveis como o racismo velado de Paula. Esta é bonitinha, engraçadinha, fala manso, sem filtro, mas ofende fortemente alguém com seu deboche. Tem uma estampa humana que quase toda brasileira gostaria de ter, porque grande parte do povo não se vê como gênero brasileiro genuíno, mas como mero descendente de..., sobretudo, do orgulho tolo de se dizer que descende de europeus.  É o tipo complexo vira-lata ainda em voga. Sou de tal estado, mas sou descendente de alemão, italiano, ucraniano, japonês etc.; por outro lado, o gaiola é a África pobre no Brasil que dificilmente se assume afro-brasileiro.

Mas o que mais me desanimou neste BBB da luta de classes e etnias foi o comportamento de Gabi, Rízia, Rodrigo e Alan com Elana, depois da saída de Danrley. Deixaram a menina praticamente sozinha no jogo. Alan foi seduzido pela Peixinho, Paula e Hari com afagos e carícias, parecendo estar ele se divorciando do Gaiola, com o qual ele começou a se enturmar por causa de Hana.  A meu ver, O grupo Gaiola também pecou no jogo, por não discutir o jogo, por não fazer avaliação correta do jogo, por se acantonar (ficar de canto) na casa e, agora, eu vou dizer: Rodrigo e Gabi foram os responsáveis por isso, por essa inação e paralisia do jogo Gaiola, por esse pacifismo pueril. Porque, lembro, que tanto Dan como Elana disseram que era preciso que eles se protegessem, falassem de jogo; até quando eles foram líderes, conseguiram expulsar três do lado de lá.

Mas o que houve nesse ínterim em que o jogo mudou e o público na sua maioria trocou de posição? Eis uma resposta difícil. Porque, por exemplo, Gleici, negra, pobre e militante, conseguiu vencer o BBB-18, mas o Kaisar, hiper carismático, não. Suponho que o Gaiola não quis jogar o BBB, ou seja, não conversou com o público, não disse a que veio e ficou com uma linguagem “paz e amor” que não combina com o jogo e a torcida sádica por conflitos de ideias, de valores, tornando, assim, o BBB um tédio de moços bonzinhos e com autocontrole. Quando falo do Gaiola, eu falo de Rodrigo e Gabi (Esta com sua dubiedade relacional com as meninas, ou seja, estar ou não estar com elas?), expressões máximas do grupo.

De Rodrigo, eu esperava mais; criei expectativas, mas me frustrei com seus medos de se expor, de mostrar a sua verdadeira face. Queria ouvi-lo mais. Não que seja uma má face, mas a outra face boa que ele esconde sob o manto da intelectualidade. Talvez uma homossexualidade não assumida. Tenho um profundo respeito pela sua história de vida, pela sua luta a favor dos direitos humanos dos mais pobres, mas como jogador, deixou a desejar, fazendo cara de paisagem com olhar assustado (o medo de?). Sobretudo, me frustrou seu comportamento com Elana, pois tanto ele como Rízia rechaçaram uma conversa com alguém de luto dentro do jogo, tendo acabado de perder um irmão e correndo risco de ir ao paredão. Não houve a solidariedade de classe, de ouvido, de querer escutar Elana, melhor dizendo, solidariedade de amigos. Gabi, imbuída na sua paixão platônica entre Rízia e Peixinho, também não acolheu Elana. Ela sofreu sozinha.  Eles não tiveram a ideia de que poderia o grupo pôr as três loiras no paredão, se tivesse conversado
sobre o jogo, alertando o Alan.

O grupo Gaiola não morreu pela boca, morreu por não ter boca falante, boca jogante. E portanto, se havia um público que, no começo do programa, adotou este grupo como vencedor, esperando mais dele no jogo, acho que subitamente uma grande parte o abandonou, justamente por não ter o grupo se comprometido abertamente no jogo. Elana foi vítima disso, porque era cotada para vencer, assim como Danrley. Mas o Piauí votou muito a favor de Elana e por isso esse Record de votos durante o programa de mais de 50 milhões de votos. Elana, você saiu vitoriosa, porque não chorou sua morte no jogo, mas sorriu para a vida aqui fora. Muitas vezes a inteligência vence, mas outras vezes, a ignorância também. Inteligência e Ignorância não se dão bem, são polos opostos. Uma repudia a outra. São inimigas fatais. Não é todo mundo que deseja vida inteligente no BBB, prefere o entretenimento alienante, perverso, agressivo e de humor debochado. A vida é mais que um programa de reality, a vida é uma luta permanente de sobrevivência nesta selva social. Parabéns Elana, você não venceu o BBB, mas venceu a sua miséria social. 

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