Texto recebido de Luís Lima em 09/04/2020

MAR-CELA, O QUE DIZER SOBRE ELA?

BBB é um programa tão complexo e imprevisível como também simples e contraditório, porque o tácito e o óbvio se relacionam e se confrontam num par de imagens e linguagens. O que quero dizer com isso? A simplicidade e a complexidade do jogo e o não dito (tácito) e o dito (óbvio) se enroscam no conflito e no confronto dos participantes que embaralham nossas cabeças, nossos sentimentos e nossas emoções imediatistas. Quem nos agrada e quem nos dá ranço? Aquele ou aquela com quem nos identificamos ou não. Aquele e aquela que nos espelhamos ou não. E o espelho da vida não reflete tanto a verdade da realidade, porque é apenas a imagem distorcida dela – Que pena! Que pena!. Assim sendo, é o espelho do BBB que reflete imagens desconexas, tortas, distorcidas e aleijadas das pessoas, formando caricaturas dos personagens. Porque o espelho, na verdade, é um reflexo das nossas parcas e defeituosas impressões, eivadas de valores particulares e localizados (vista de vários pontos, locus), que enganam os que as leem, como também enganam a nossa própria racionalidade. Dito isto, vamos ao que nos interessa.

Quem é Marcela ou Mar–Cela?
1. Aqui fora, uma médica, ginecologista, sexóloga, que cuida das mulheres e dos transgêneros, que faz palestras para os párias da sociedade machista-patriarcal. Talvez muita gente não entenda o que seja isso: machismo e patriarcalismo. Esses fenômenos sociais que delineiam o pensamento, o sentimento e o comportamento humano de forma tão automática, tão mecânica; aquilo que o sociólogo francês Durkheim denomina de solidariedade mecânica, a saber, uma solidariedade por semelhança: os iguais se solidarizam. Os diferentes, geralmente, se repudiam. A Marcela profissional, militante, engajada em causas como a feminista e LGBTQI+, é um agente ativo de mudanças na sociedade, uma ativista; e não um sujeito passivo que aceita tudo como normalidade já predefinida, não questionada pelo conservadorismo do status quo.
2. Lá dentro do BBB, Marcela é o que é aqui fora e também é o que ela se construiu no jogo. Uma junção das duas condições humanas, a mulher ativista e a jogadora maresia, sobressaindo-se mais aquela do jogo, que se conteve no decorrer da segunda semana quando Daniel entrou e ofuscou seu brilho, embaçou a jogadora. Esta é a minha visão, my point of view. Uma Marcela que encolheu ao se relacionar com um homem infantil, birrento, bobão com dificuldades de atenção às regras do programa. Tornou-se mãe incestuosa. Acho que se tornou mesmo, uma babá de Daniel. Não que ele seja uma pessoa má, maléfica, do mal. Mas porque ele atrapalhou bastante desenvolvimento dela no jogo, ao se preocupar, ela, com as suas trapalhadas, tentando defender o namorado indefensável.
3. Por último, quem é Mar–Cela? Um mar morto ou um mar revolto? Acho que nenhum dos dois. Um mar calmo, mas vivo. O mar na sua calmaria sem tempestade. Apenas com a brisa do vento soprando, levando o barquinho Marcela para além do horizonte prescrito da moral burguesa. E Cela? Porque o Daniel a encarcerou no seu romance tolo, sem sal sem pimenta. Um romance marcadamente “juveloide”, como se fosse o primeiro namoro de dois adolescentes, a primeira paixão. Marcela se enfiou numa cela com Daniel e lá ficou presa. A cela sem o selo do amor do homem e da mulher, mas com o selo do amor maternal, fraternal. A cela que lhe afastou do jogo mais arrojado, a ponto de se afastar de uma das suas melhores parceiras, a Telma. Fim de torcida frenética para ela.

Acho que esses três pontos definem um pouco sobre quem foi Marcela ou “Má-cela” no BBB-20. Mas o que mais me intrigou nesse jogo de loucos não foi nem o comportamento “maresia” de Marcela. O que me assustou nesse BBB foi o comportamento da misoginia social, do repúdio ao Ser Marcela. Como assim? Meu Deus, os comentários foram os mais frívolos, superficiais e ofensivos sobre Marcela, descaracterizando o seu lado bom, de mulher lutadora, vencedora, empoderada (a tônica do BBB era: empoderadas x neomachistas), de alguém que tem pensamento próprio, singular, com autoestima elevada. E confundiram autoestima e autoconfiança dela com soberba e ar de superioridade; confundiram incompatibilidade de gênios – dela e de Babu – com racismo. Muitos não dizem que o espírito não bate com o do outro? Como forma de explicar a não empatia entre pessoas? Com certeza Marcela não absorveu o ser sendo de Babu; nem conseguiu ponderar a agressividade dele, com aquele seu jeito, me desculpem as palavras, jeito meio mafioso de olhar as pessoas (não estou o chamando de mafioso, estou apenas comparando um olhar). Uma característica do ambiente hostil em que viveu: o olhar hostil.

Marcela, para mim, foi uma das jogadoras mais “equilibradas” no jogo. Sensata em quase 90%, pisando na bola com Telminha, a quem admiro e gosto. Mas como disse Leifert, no BBB não existe perfeição humana. Mas não tome esta frase para absolver ou relativizar as cretinices da Macholândia, a arrogância de Prior e as grosserias de Flay. Ser imperfeito não significa que você tenha que ser canalha, cafajeste, agressivo, mal-educado etc. Porque errar por engano é uma coisa, mas errar de propósito ou de forma manipulada é uma outra coisa. Por conseguinte, Marcela estava começando a se resgatar como jogadora, como Marcela, abandonando a Mar-Cela ou Má Cela, com a saída de Daniel, reconstruindo sua linguagem de militante e interpretando com mais claridade e elegância o jogo da casa. Pena que foi pouco tempo para poder reconquistar seu público, perdido em coisas tão irrelevantes como o fato dela namorar Daniel ou não ter uma empatia com o Babu. Porque, na verdade, há dois Babus. O Babu da favela e o Babu do Teatro. Uma dupla personalidade: uma que critica o machismo social, o racismo, mas outra que pratica a homofobia com falas pejorativas (viadinho) contra Pyong e Daniel. Talvez esteja Babu ainda na fase de transição do homem bárbaro para o homem civilizado.

Por fim, Marcela não fez feio no jogo, a meu ver; e a desproporção com que trataram Marcela no jogo, pelos espectadores, foi gritante, irracional. Eu poderia ter tido ranço de Marcela por causa de suas palavras estúpidas contra a Presidente (em 2013) no Tweet, quando Esta estava hospitalizada, em tom de ameaça como: “ah se ela estivesse no meu plantão?” No entanto, o seu arrependimento, o seu pedido de desculpas e a sua desconstrução de uma mulher politicamente tóxica, forjado pelo ódio político, e a sua reinvenção de uma mulher progressista e respeitosa, me fez reconsiderar o fato e lhe dar uma chance humanista no jogo, pois jamais uma médica deve desejar ou forjar a morte de alguém. Reconsiderar em que sentido? De que podemos nos desconstruir como sujeitos maldosos e nos reconstruir como seres civilizados e tolerantes até com quem não gostamos. Para mim, já que estamos na semana santa, Marcela ressurgiu das cinzas depois de 2013, no calor da antipolítica, da realidade cinzenta, ou seja, ela ressuscitou para uma nova vida, uma vida de amor ao próximo, de respeito humano, em que todos somos filhos de único pai, Deus, logo irmanados pela Bíblia (desculpem-me os ateus). A cultura do ódio, do ranço, da intolerância, aqui fora, e na participação do BBB, não nos eleva como seres humanos. Pelo contrário, nos rebaixa moralmente. Espero que o BBB não seja apenas um programa de entretenimento, mas um programa que passe mensagens, ideias “revolucionantes”, novos valores éticos, porque não estamos mais no século 19 ou 20. Estamos no século 21, do desenvolvimento científico e tecnológico, da luta de respeito ao meio ambiente e com novas formas de abordagens da realidade. Dito isso, desejo a todos uma Feliz Páscoa, um Novo Renascimento Humano pela Ressurreição do nosso modo de SER.


Luís Lima - Luiz_113@hotmail.com

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